Pentecostes: A gênese da Igreja Cristã
As raízes da nossa fé são judaicas. Não
por acaso, compreendemos pela fé, na hermenêutica apostólica de Paulo que toda
a liturgia e ritualismo judaico veterotestamentario devem ser interpretados
como “sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Colossenses 2.17),
isto acentua a verdade de que devemos examinar as Escrituras, pois “elas
testificam de Cristo” (João 5.39). Toda a Bíblia é Cristocêntrica, isto é, desde
a Lei, perpassando pelos profetas, nos livros sapienciais e culminando nos
enunciados apostólicos se concentra a pessoa de Cristo: seu nascimento, vida,
morte e ressurreição triunfante. Mas o filho de Deus encarnado, o “verbo que se
fez carne” (João 1.1), apesar de sua eternidade e preexistência, nasceu dentro
de um contexto histórico cultural judaico. Nascido em Belém (Mateus 2.1-6),
cresceu em Nazaré (Mateus 2.23), e com raras exceções (p. ex; Mateus 15.21-28)
concentrou-se em dedicar seu ministério ao povo judeu. O próprio Senhor evidencia
isso no diálogo com a mulher Cananéia quando lhe diz que “Eu não fui enviado
senão as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 15.24). João enfatiza tal
premissa quando acentua que Ele “veio para o que era seu, mas os seus o
rejeitaram” (João 1.11), não há qualquer embate teológico (sério) que
desconsidere o termo “os seus” de João 1.11, como referência ao povo judeu.
Paulo ratifica isso em sua epístola aos Romanos quando diz que “O Evangelho é o
poder de Deus que opera para salvação de todo aquele que crê primeiro o judeu, depois o grego”
(Romanos 1.16; grifo meu); Ainda escrevendo aos Romanos no complexo trecho
(Caps. 9-11) em que trata da predestinação divina é precisamente a respeito do
povo judeu que Paulo está falando. Eles são os sujeitos alcançados
soberanamente pela predestinação divina, de tal maneira, que Paulo, a respeito
do remanescente judeu fiel, afirma seguramente “Quanto ao Evangelho, são
inimigos por causa de vós; mas, quanto a eleição, amados por causa dos pais;
porque os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Romanos 11.28-29), isto
é, por causa do pacto de Deus com os pais (Abraão, Isaque e Jacó) os judeus são
amados e estão seguros na irrevogabilidade do amor de Deus (o que por si só,
destrói a falsa teologia da substituição, aclamada em certos Arrais
teológicos).
É dentro deste contexto hebreu
(judaico) que os mistérios da nossa fé surgem, se constroem e se revelam.
Pentecostes era uma importante festa comemorativa judaica. Celebrada
anualmente, realizava-se especificamente cinqüenta (de onde se deriva o nome da
festa) dias após a celebração de pêssach (Páscoa), ou seja, a festa pela
libertação da servidão egípcia (Êxodo 12-13). Dentro do calendário lunar dos
hebreus, coincidia que a data de celebração de pentecostes ocorria com o
período esperado da colheita do trigo, importantíssimo para uma sociedade
agrícola como a judaica. Por propósito divino, a materialização da promessa de
nosso Senhor a respeito de sua Igreja cujas “portas do inferno não prevalecerão
contra ela” (Mateus 16.8), acontece exatamente quando “No dia de Pentecostes
estavam todos reunidos no mesmo lugar” (Atos 2.1). Os feitos de Deus não são
por acaso, como ponderara o sábio Salomão “Há tempo para todo propósito”
(Eclesiastes 3.1). O tempo de Deus materializar sua Igreja na terra precisava
ser exatamente no contexto judaico de pentecostes.
Primeiro por que pentecostes pressupunha
libertação (páscoa) e a Igreja era exatamente aqueles que outrora “estavam
mortos em seus pecados” (Efésios 2.1-2), mas que “conheceram a verdade e a
verdade os libertou” (João 8.32), o ajuntamento daqueles que ali estavam
“reunidos no mesmo lugar”, a exemplo dos hebreus que saíram a pés enxutos do
Egito na noite milagrosa em que o sangue do cordeiro pascal os livrara do anjo
da morte (Êxodo 12.21-37), estes 120 também foram libertos da escravidão do
mundo, do pecado e de suas vontades humanas irrefreáveis, estavam livres, pois
como afirmou João, apóstolo de nosso Senhor “Se, pois o Filho vos libertar
verdadeiramente sereis livres” (João 8.36). Cônscio dessa verdade foi que
Paulo, posteriormente, escreveria aos irmãos de Colosso “Ele nos tirou do
império das trevas e nos transportou para o Reino do Filho do seu amor”
(Colossenses 1.13).
Segundo porque pentecostes era a
celebração pela libertação, mas também a gratificante responsabilidade de
trabalhar na colheita que vislumbrava nos campos. Esse simbolismo judaico tem
muito a dizer a então jovem Igreja nascente. Fomos libertos, mas não devemos
nos acomodar no contentamento alegre de termos sido libertos, temos agora a
incumbência de realizar a colheita. Nosso Senhor havia exortado “Levantai os
vossos olhos e vede os campos, que já estão prontos para a colheita” (João
4.35), pouco depois da ressurreição e antes da ascensão ordenou “Ide por todo o
mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Marcos 16.15), nas palavras de
Mateus “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações” (Mateus 28.19). O
“Ide” e “Fazei” é a tradução do enigma de João 4.35, a colheita dos campos
prontos é a responsabilidade de anunciar o Evangelho e “conquistar os pecadores
para Cristo”.
É irrefutável, no plano eterno de Deus
está à gênese da Igreja, afinal, nas palavras de Paulo aos Efésios, por essa
Igreja “Cristo se deu” (Efésios 5.25) e João afirma que “O Cordeiro foi morto
desde a fundação do mundo” (Apocalipse 13.8), mas a materialização histórica e
concreta do plano eterno e atemporal de Deus deu-se em Pentecostes. Numa
perspectiva histórica (na qual estamos inseridos e limitados) em Pentecostes está
a “fundação oficial” da Igreja, ali profecias se cumpriram, tais como Joel
2.28-29; Mateus 3.11; Marcos 1.8; Lucas 3.16; Lucas 24.49 e Atos 1.8. Ora, se
os irmãos que se sentem herdeiros da reforma protestante no século XVI liderada
por Martinho Lutero (1483-1546), não vêem problema em denominar-se “luteranos”
(ainda que Lutero mesmo não aprovasse tal denominação) pela identificação com
ele; e se aqueles que abraçam a estrutura hermenêutica de leitura cristã de
João Calvino (1509-1564) sentem-se resolutos em categorizar-se como
“calvinistas”, não temeria em dizer que não apenas eu, por abraçar o corpo
doutrinário do cristianismo (na perspectiva pentecostal clássica), mas que
biblicamente toda a Igreja de Cristo é geneticamente pentecostal.
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